A POESIA DE JÚLIO POLIDORO, ou DETRÁS DA PORTA
Carlos Nejar
O poeta Júlio Polidoro, da geração de Juiz de Fora, que se constela de tantos criadores, com voz luminosa no Brasil, já tem um caminho, que "andando se fez", no dizer do universal Antonio Machado. Sua poesia guarda sotaque singular, que determina os que duram, além da vigília.
Domina todos os ritmos com a qualidade silenciosa de se deixar também guiar por eles. Porque a sombra na poesia há que ser do tamanho de sua palavra, para que o mistério se expanda. Não é um versemaker a mais, que invade e polui ou disfarça este nosso tempo que continua a ser "de homens partidos", fragmentando-se o poema, por se fragmentar a vida. É alguém que utiliza o verso e alcança a poesia, com a alavanca que move os sonhos. Não esquece jamais que o tempo é linguagem e que linguagem é tempo, com Minas da alma, seguindo tradição e ruptura, signo de identidade. Mesmo não se desligando da música, "a que aspira toda a arte", segundo Pater, cria a partitura também dissonante e atonal. Basta ler seus inventivos sonetos, alguns antológicos, para sentir que é a capacidade de Ícaro, que faz o sol mais perto. Estes versos são emblemáticos de uma poética que tenta assumir, corajosamente, a realidade, sem o véu do que esconde. É no ato de assim se esquivar, que a revela: "Não há que erguer o véu, buscar resposta / nem há o corpo longe que perdi / mas onde a porta por detrás da porta?" E o soneto que começa: "eu sei, mas por saber sei que estou parco" e finda (se é que conclui): "no gesto de perder, que não consinto, / me enleia alguma teia que não teço."
Não se perde no jogo dos vocábulos: usa o ludismo sempre buscando sentidos possíveis da raíz humana. Seu "coração ruidoso" se contém nas "astúcias" que prendem o leitor através de lapidares centelhas, atiçantes no fogo de palavras: "É a flor / que me alimenta" (...) "se a fala tem muitas e nenhuma direção" (...) "ah, eu me detive hoje, / mas meus pés seguiram" (...) "Martelo é uma ave sem destino" (...) "Oremos pela rês que se perdeu". E o irônico, pungente: "Dize, Senhor, de quantas somos, se todo o teu redil há de salvar-se.". O que está "detrás da porta" - é o silêncio que tambem sabe habitá-la, é a inquietude que se engendra, ainda que seja forma de felicidade. Possui o raro dom de inventar-se, inventando futuros leitores, que saberão quem é o seu poeta.
( Texto de orelha do livro "Outro sol", assinado por Carlos Nejar, 2004. Edições FUNALFA, Juiz de Fora, Minas Gerais).
BREVE BIOGRAFIA:
Júlio César Polidoro nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, no dia 29 de julho de 1959. Trabalha na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde cursou Filosofia. Participou das edições que marcaram época na década de 80: Folheto Abre Alas e Revista D'Lira. Tem publicados os livros:
Treze poemas essenciais (1979);
Pequenos assaltos (1990);
Orla dos signos (2001);
Outro sol (2004).
Tem diversos trabalhos publicados em antologias do Brasil e exterior. Confira alguns poemas do seu livro "Outro sol":
construir a ordem pelo avesso
de toda formal estrutura
fomentar constante ruptura
entre o que imagina e o que teço.
uno estilhaços do arremesso:
nenhuma unidade se apura -
recolho a imagem sem figura
de um fim que assoma do começo.
assim elevo esse edifício
erguido sobre o precipício:
é falso todo qualquer lastro.
a obra que acabo não termina
eterno dia que rumina
e segue o seu próprio rastro.
(Júlio Polidoro, "Outro sol", 2004)
ADUANA
retidos com a bagagem
em cada porto ficamos
quem ruma
é aquele que perdemos
a passagem é dolo
parada
de alguém que não somos
da esquadra que avança e não parte
a aduana retém
o faz-de-conta da sorte.
(Júlio Polidoro, "Outro sol", Juiz de Fora, 2004)
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1 comentários:
Muito significativa é a poesia de julio polidoro hoje. É bom descobri-lo neste blog. Parabéns pelo trabalho de divulgaçao.
vinicius.
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