quarta-feira, 4 de maio de 2011

MARKO ANDRADE

Nascido na cidade do Rio de Janeiro músico, compositor, poeta, arranjador e produtor cultural. Desenvolve projetos culturais para entidades públicas e ONGs, além de ser pesquisador da MPB. Iniciou suas atividades artísticas na infância e adolescência no bairro de Brás de Pina, no Rio de Janeiro, participando de vários movimentos culturais da cidade, junto com Euclides Amaral . Poeta, compositor carioca, desenvolveu - já na infância e adolescência - um trabalho musical .

No início dos anos 80, ingressou no Musiclube itinerante Panela de Pressão, que depois se transformou em Cooperativa de Artista Panela de Pressão. Desde então, passou a participar ininterruptamente de várias atividades poéticas musicais, além de desenvolver as atividades de gestor público de cultura e educador .


Atualmente desenvolve os projetos: Recitando Samba, Aldeia Afrotupy, Canal Jovem, poesia no poste, onde o samba me levar CD da cantora Rogéria Hemer,grava o seu próximo CD solo totalmente autoral e perambula por praças da Cidade do rio de janeiro inventado arte no bolso do de cada canção.
Confira sua poesia:

PRÓTESES
os membros e as memórias,
os dentes e as serras,
os cacos e ossos da dor,
o sorriso e o buraco.
Os antebraços berram na noite
perambulando suas necroses,
é o véu da eterna dormência;
próteses dos anjos amputando .


BARULHINHOS
os pés sinfônicos foles voam pelo chão
e os barulhinhos bons riscam assovios
em cabeças de gás.
Rangedoras bolhas sonoras
de uma assimétrica teia diminuta
estampam uma aranha que arranha vidros.
E a silenciosa menina do espelho
grita o espanto nos labirintos, ainda surdo,
enquanto o pobre coração batuca na tábua
um som quase vizinho.


A LOUCA
Eram antigos os buracos-corpos
entalhados lentamente em memória-esculturas.
E ela mesmo assim cuspia seus ossos-ruas
na escuridão dos dias.
Os berros entalados no peito
e a solidão medieval
adormeciam as tardes na insônia dos bondes.
Um néctar lento e corrosivo
transbordava-lhe a alma inteira
e ela mesmo assim girava a cabeça,
escavava com as mãos cruas um deserto-fardo,
e em seu intenso peito farpado
emoldurava uma bela e estranha flor.


SOPRO DOS ESPÍRITOS (AO MESTRE BARROSINHO)
Ainda era cedo num antigo farol
Submerso e intangível.
Apenas um olho soprava ciscos insetos
Lavando espíritos dos meninos sabão.
As metalúrgicas bandas transpareciam seus entalhes
Em um negro corpo frágil em solidão,
Por dentro das ruas-casas, ladeiras-coxias,
E lentamente um sopro artesanal nas palhas do chão
Transbordava em natureza.
O tambor fundo nasce grandioso e sonoro
Ventilando asas, retalhando bandeiras ,
Recortando papéis coloridos
Brincando em crianças num cantinho chão
De uma esquina da rua do Lavradio.


O TEMPO E O LUGAR
Um lugar uma casa um sopé um chão
Um vale nas nuvens
Transbordando música da chuva
Um tempo qualquer das plantas
Um cão um vento um vão
Centelha na alma e energia fina das doces tardes
Água na pele e a poesia é vaga-lume
Nada a perguntar aos cometas
Riscando o fundo da noite
Tudo a permitir no sonho infância
Sem tempo e lugar

DISCOGRAFIA:

(2009) Que beleza! • Independente • CD
(20010) Aldeia AfroTupy • Selo Guitarra Brasileira/Arrente Mermo Records • CD
(2003) Conexão carioca 3 - Bônus • Peixe Vivo Produções • CD
(2002) Conexão carioca 3 • BigVal Produções • CD
(2001) Aldeias urbanas • Guitarra Brasileira • CD
(2000) Conexão carioca • Guitarra Brasileira • CD
(2000) Conexão carioca 2 • Guitarra Brasileira • CD
(1999) Conexão carioca • Peixe Vivo Produções • CD

OBRAS:
  • Aldeia
  • Algumas palavras (c/ Aljor)
  • Alma dos meninos (c/ Luiz Carlos Batera)
  • Batuque (c/ Paulo Medeiros)
  • Benedito santo (c/ Ribeiro Couto e Flavio Nascimento)
  • Carta pro Mestre Darci da Serrinha (c/ Luiz Pedro de Oliveira)
BIBLIOGRAFIA CRITICA:
  • ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira - Criação e Supervisão Geral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto Cultural Cravo Albin e Editora Paracatu, 2006.
  • AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008; 2ª ed. Esteio Editora, 2010.

MUSICAS PARA OUVIR

http://www.myspace.com/tupyafro

quinta-feira, 10 de março de 2011

LUIS SERGUILHA

Ler Luis Serguilha não é tarefa das mais fáceis. Quem se propõe a compreender a sua forma de escrever, marcada por signos complexos e construção sofisticada, corre o risco de se perder nas entrelinhas e não mais encontrar o caminho de volta para a vaga certeza de saber-se capaz de construir uma simples resenha ou pequeno comentário sobre sua obra.

Nascido em Vila Nova de Farmalição, Portugal, o poeta e ensaísta se destacou em várias áreas: como coordenador de uma academia de motricidade-humana, colaborador em pesquisa arqueológica da época castreja, dinamizador de bibliotecas de Jardim.

Suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e Boca de sândalo (2001), O externo tatuado da visão (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), KORSO (2010), estes três últimos em edições brasileiras. Seu livro de prosa - Entre nós - é de 2000, ano em que recebeu o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, na Espanha e em Portugal. Alguns dos seus textos foram traduzidos para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e catalão. É responsável por uma coleção de poesia contemporânea brasileira na Editora Cosmorama e Curador do Encontro Internacional de Literatura e Arte: Portuguesia.

Com lançamento marcado para 24 de março (19:00) na Biblioteca da Casa de Portugal de São Paulo (Av. da Liberdade, 602 - Centro -São Paulo), seu novo livro, KOA'E, vai contar com apresentação do professor, ensaísta e poeta Luiz Contador Borges e também com a participação da atriz Vera Barbosa que fará a leitura de algumas imagens do livro.

Quem assina a belíssima capa de KOA'E é a aquarelista Ivani Ranieri.

Abaixo, apresentação feita por Marcelo Moraes Caetano e um dos textos que integram o livro:


MÚSICA OCULAR DE SERGUILHA
Marcelo Moraes Caetano*

A obra de Serguilha não teria subjacentemente, o papel de elo entre a matéria clássica e exata e a nova matéria arquetípica
antiquíssima das físicas e matemáticas inexatas e a filosofia, a teologia e as artes? Teoria-ontologia-TEOLOGIA?

Acaso não se percebe, nos significantes e na sua emergência, em Serguilha, uma harmonia desarmônica e/ou
enarmônica entre Ciência, Teologia, Artes e Filosofia?

Definitivamente, sim.


Em outras palavras, assim como a gênese da física quântica aponta para um aparente paradoxo e pressupõe o
conhecimento do classicismo em termos de física (a mecânica e a álgebra, aritmética e geometria clássicas) assim também são os significantes de Serguilha: buscam no Arché clássico a plenipotência para transcender-se a mecânica e, mecanicamente, uma ao estado de ondulações em que o que está em pequena escala se comporta de modo diferente do que está em grande escala, mas de modo que, exatamente por sua diferença, os iguala nisto: o universo é diferença e só na diferença das diferenças (amostra arquimetalinguagem vista por outro telescópio ou por outro microscópio?) sobrevive a plenitude a que se chega pela música ocular de Serguilha.

*Marcelo Moraes Caetano escritor, crítico literário, doutorando em literatura comparada( JULIA KRISTEVA, UNIVERSIDADE SORBONNE)
POETAS-CAVALOS-SONÂMBULOS DAS ESCRITURAS-PYROCLASTIC:

LAHARS DOS POETAS-SURFISTAS

Os poetas-cavalos-sonâmbulos mergulham no abismo, nas unidades ciclónicas, no desmesurado da interrogação iniciática, no labirinto da conquista dramática, no sagrado cosmoficador, nos princípios medulares da devastação, na espiral obstinada da reinvenção, nos exílios das constelações, nas energias corporais, nos desdobramentos do imperceptível, no movimento sincrético entre a espiritualidade e a materialidade, nas sequencialidades sensoriais, na erotização original do grito do livro. Os poetas-cavalos-sonâmbulos submergem, galopam, flutuam libertadoramente para criarem nas escrituras-pyroclastic, dinâmicas topológicas, écrans-da-Natura, tempestades prismáticas-infabuladoras, ressonâncias da babel performativa, curto-circuitos-multicelulares, interfaces simultâneos das alegorias, infinitas fundições dos simulacros. Os hemisférios da celebração uterina das escrituras reconstroem as linhas de fuga para resgatarem as danças espontâneas das palavras, a estremeção astronómica dos poetas-surfistas como lavas-correntezas espiraladas a fragmentarem-se entre a regeneração do ser e as sombras selvagens da metamorfose meteórica onde o organismo polinizador da ausência é o relâmpago da corporalidade a fertilizar-se com as homeostases do próprio enigma: uma navegação das visões mágicas-idiomáticas, das iluminuras do conhecimento afectivo, da linguagem das origens, das dissimulações, dos recomeços-das-matilhas dos não-lugares, onde os cavalos e os surfistas, cromaticamente, respiram debaixo de água enfrentando os fluxos, os refluxos do silêncio do pensamento e a dimensão trágica da presença-inexistência. Dir-se-ia que estes animais sintácticos-vocabulares-semantúrgicos-sinestésicos empenham-se na totalidade do pensamento-linguagem-mundo ao criarem variabilidades perceptivas nos teatros das origens mais violentas, nos espaços dramáticos como as despinturas das experiências selváticas, as vozes da ancianidade ao encontro de icebergues sísmicos-insolúveis da história humana.

Os poetas-surfistas instauram infinitudes ritmáveis nas águas mais silenciadas, nos conflitos heteropoéticos, revelando as submersões-rotações vertiginosas da palavra absoluta-catártica como um mónada-animal-desvairado-musical que se projecta na experiência polissémica de outras artes navegadoras da percepção-memória-imaginação. As escrituras-pyroclastic-surfistas-sonâmbulas precedem as profundidades das nidações do indizível e descobrem as tensões hieroglíficas, linfáticas, mitológicas, antropofágicas, dentro das apoteoses secretas-dissipativas, das catástrofes e dos renascimentos. Eis as palavras proféticas-turbulentas na origem do real-do-real: o fantasma da eterna génese a construir a memória das possibilidades, das interrogações libertadoras da vida.

Os poetas-cavalos-sonâmbulos criam LAHARS contra os sistemas explicativos, teoréticos porque reconciliam a luminosidade e a escuridão, os cruzamentos da agramaticalidade, as mutações da plasticização, as perspectivas abissais, as correspondências metamórficas com as cavalgadas-flutuações radicais constituídas pela força da linguagem, pelo desassombro selvático, pela metamorfose contínua da navegabilidade labiríntica, pelos espelhos do desabrochamento da vida: os espelhos do pensamento-mundo, do silêncio da palavra-imagética, da dança-caleidoscópica. A liberdade do corpo vivo do poeta-cavalo-surfista está nas transferências poemáticas-divinas-selváticas, na música do coração do mundo. Nos seus LAHARS revolucionários existem o astro-do-astro a reiniciar continuamente a intensidade das sensações. A gestação das escrituras-pyroclastic projecta-se nas multiplicidades obscuraa-instituais e a poesia expande-se e recolhe-se na indeterminação, na fertilidade xamânica-petrológica-sacral-mitológica e eleva-se na integridade do ser, na sincronização do tempo-espaço, nos contrastes sincrónicos. O cavalo-surfista-poeta fundamenta-se, imerge na luz que bate na obscuridade, tentando desvendar os segredos do mundo, libertar a vida do encarceramento. A poesia intersecciona-se nas travessias da realidade-outra, nos desmoronamentos, nas primeiras energias, nas imprevisíveis transformações, nas impressões do ilimitado e do vazio até à nossa permanente incompletude ou até mesmo à fractalização-compositiva do eclipse.

A força afectiva dos cavalos-surfistas-poetas está na experiência da imaginação, na caminhada devoradora e criadora do fogo da presença-ausência, nos GIPSOS-LAHARS das escrituras-pyroclastic do possível e do impossível que irrompem no lugar dramático-primitivo onde as plasticidades das cosmovisões, a cinematografia pensante do universo, o limite dos limites, as navegações cósmicas enfrentam a sedução da vertigem, as aberturas permanentes da indefinição e do inexplicável com as linguagens encantatórias dos rituais libertadores da arte da vida.

Urge a I-EMERSÃO de LAHARS com a potência da substância do mundo, a materialidade flamífera, a geografia celeste, o subsolo terrestre, as circunvoluções alucinantes, a projecção do mundo fractal das cauterizações do desejo, ultrapassando as explicações, os convencionalismos. Aqui despertamos o sublime da massa caótica dos signos e a explosão das energias cosmogónicas que nos provocam a sensação do invisível, dos andamentos utópicos, dos confrontos com o nada, com a incógnita, com os ritmos das danças sacrais. Talvez seja a reactualização incandescente da metáfora, da metamorfose a integrar as escrituras do cavalo-surfista-poeta na sua intensidade abismal, indefinível como a impossibilidade, o indizível, o desconhecido a vibrarem numa incubação obscura-epifânica que alimenta o alvoroço-do-ANTLITZ-da-orfandade-da-iminência-imanência-da-vertigem.

Enfrentar-re-criar os LAHARS é como perspectivar uma intermitência na escuridão, no subsolo da vida. Esta participação convulsiva do ser-no-mundo, no ser cavalo-poeta-sonâmbulo abre-se à própria linguagem-silêncio que vem de todo o corpo-surfista, do real imprevisível, da luz do labirinto como uma intensa afectividade que caminha para as outras artes, para as ciências, para as pulverizações polifónicas-psicadélicas desterritorializando a língua: uma matilha multilinguística-oscilatória, uma armadilha de luzes, de epicentros entre as subducções da lava do corpo, corpo-fenda, corpo-erosão, corpo-energia da palavra, enfrentando a infinita imagem expansiva com a respiração do desejo e da transmigração imaginária.

Os LAHARS dos cavalos-poetas-surfistas-sonâmbulos projectam a profunda imersão corporal, a encruzilhada de sentidos e de não sentidos, a fantasmagoria polissémica, os jogos prismáticos da descoberta do mundo. Esta energia transmutadora busca a fascinação do vazio, os mapas arboriformes dos espelhos ocultos das palavras, a unidade original da TERRA-MÃE onde a metamorfose é uma vastíssima e sedutora força sobre o deserto sonâmbulo, um grito ardente no batimento arquitectónico do universo: aqui a teatralidade do desejo, a máquina desejante das fusões imaginárias tentam traçar a mineralização do silêncio informulável, a invenção profunda, as aberturas epidérmicas-explosíveis da língua na língua: eis as escrituras da parábola nas tonalidades do desassossego e na emancipação selvática do poeta-surfista, poeta da diversidade instantânea.

Urge a I-EMERSÃO de LAHARS INFRA as correntezas interrogativas, magnéticas, germinativas, heterogénea sempre em confronto com o lugar-nenhum, com os olhares geográficos-polarizadores — a substância dissimulada do mundo, o mistério da natureza, a intemporalidade. As palavras alastram-se na anatomia dos cavalos-sonâmbulos que sintonizam o poema, a escritura com a ebulição do labirinto, com as transfusões sensitivas-dinamitadoras das sonoridades. O sublime da palavra-surfista explode a sua origem nas figurações inesperadas das ondas perscrutadoras das esfinges e da reconstrução-destruição do real. O seu movimento de perspectivas infinitas cinzela uma presença viva-materna-amniótica-metabólica no desconhecido, nas vertigens concêntricas como uma eclosão do silêncio, uma artimanha do caos, uma emancipação do enigma, uma expressão estética do abismo tentando unificar os elementos da natureza com as impetuosas navegabilidades-imprevisibilidades.

As artérias-palavras desdobradoras do deserto estão no centro dinâmico do cavalo-sonâmbulo como uma incerteza antiquíssima, absoluta, holística na catástrofe cinemática do (in)visível, da consciência órfica e o poeta-surfista caminha para o espírito do mundo entre a onda-do-êxtase e o instante obscuro do poema-magma como a obscuridade corporal a regressar à arena da subjectividade, às sensações babélicas da natureza.

A violência pulsional do cavalo-poema absorve a linguagem incandescente, a inundação dos renascimentos enigmáticos para retornar sempre à meteorização do indeterminável. O cavalo do deserto e o surfista oceânico transformam a vida numa morada sagrada, erótica, fundindo os caminhos da palavra com os simulacros polispérmicos, ancestrais, paroxísticos, acústicos, como pulsões vulvares, uterinas a acolherem os itinerários das vozes iniciáticas. Será esta meta-imagem primitiva uma espécie do catastrofismo-hipnótico de uma língua que tenta cicatrizar-se entre a memória náutica e as bibliotecas sibilantes para cartografar a elementaridade do abismo? Será este o rizoma acrobata, sinfónico, polimórfico, onomatopaico, caçador de fogos e de maternidades selvagens que aprofunda os ecrãs do dilúvio como um grito circulatório, sulforoso, prismático, turbulento, a reconquistar as moradas planetárias, as experiências da conquista dramática nas infinitas possibilidades e nas infinitas oscilações do mundo?

O cavalo-poeta e o surfista-sonâmbulo não se conhecem a si próprios, por isso gritam, gritam como uma purificação, uma eclosão de sons peregrinos-tribais ao encontro das palavras pré-babélicas e, "sem pontos fixos no espaço", criam linhas de fuga com a exteriorização da vida absoluta, com a correnteza relampagueante das conexões poéticas que se encontram nas multiplicidades do corpo indomável, nas pulsões imagéticas, nos cânticos xamânicos, na consciência caótica, na espiritualidade, na materialidade, na sacralidade, na energia do informulado, na integridade do ser, nos devoradores do fogo, nas fusões do nada, nas interrogações do deserto, na violenta estética da ausência, do exílio centrípeto e centrífugo. Eles gritam simulando vertiginosamente as montagens e as desmontagens das ascendências nativas. O grito das escrituras antecipa os territórios proibidos e interroga incansavelmente o corpo-livro da natureza-mãe. O grito, a cavalgada, a navegação, o corpo-ondeante-flutuante participam no caos e no cosmos como uma visão-outra no silêncio da impossibilidade, no silêncio da unidade original, procurando a vida verdadeira ou novas formas de vida.

Os LAHARS destes poetas oscilam nos tactos da excepcionalidade e na sismicidade sonora das sensações porque vão sempre ao encontro do desconhecido e da metamorfose primitiva, regenerativa. Aqui, a secreta instantaneidade libertária-perturbadora-INOVADORA propicia-nos o sublime das unificações intensivas-emancipatórias que tentam descobrir o enigma que inquieta o mundo como centros iluminadores da palavra a fecundarem hipnoticamente a presença viva dos chamamentos genésicos. É este desassossego da linguagem que expande e absorve os cânticos das escrituras do coração do mundo.

Os LAHARS dos poemas-surfistas vascularizam e devoram as coordenadas das secretas fecundidades, das translações dos fulgores das moradas, das tresloucadas totalizações, onde se reconciliam as línguas, as lunações, os jogos de luz, as ambiguidades-crepusculares-saturninas.

Urge a I-EMERSÃO de LAHARS, que são linhas-TECTÓNICAS(ESCRITAS) de epifanias infinitas, de espelhos nativos ritualizadores das expressões estéticas de força, do absurdo incandescente do cosmos, onde as transumâncias aborígenes das escrituras dos poetas-cavalos-sonâmbulos regressam como uma vontade de potência que instaura, reconstrói a vida com as tapeçarias dos devires, com as fusões das formas-de-habitats, com as escritas rizomáticas, selvagens,orgásticas,nómadas. Este ecossistema indecifrável, polissémico, isossístico, piroclástico, lávico, é cartografado pelas multiplicidades, pelas vertigens geomorfológicas-retinianas, pelas hibridizações silabárias do poema-surfista que delineia, refaz, subverte as arquitecturas, as escrituras através das emigrações-imigrações, da solarização-obscuridade, das semioses que impulsionam o to kalon sinestésico, o sublime do grotesco, as plasticidades do ecce homo, onde as energias encantatórias-transmutadoras do galope e das curvas das ondas buscam a desterritorialização, como uma pulsação astral-violenta dum corpo resistente, um corpo cavalo-surfista-poeta, um corpo-flutuador de abismos. O fluxo heterogéneo-intenso é a própria respiração da fertilidade da terra e do cavalo-poeta criador de abalos, engolfamentos abísssicos até aos fluxos marítimos dos poetas-surfistas que se transmutam entre os habitantes do deserto, do nada, do desconhecido para experimentarem a TEATRALIDADE do animal-poeta-em-FUSÃO.

No interior do corpo das escrituras as primeiras energias buscam as regiões mais obscuras da vida e os poetas-cavalos-surfistas desocultam as ebulições da afectividade, as impetuosidades selvagens, porque absorvem o sol-aberto-na-pedra, o desvairamento informulável das palavras e o renascimento do ser que recupera o magnetismo e a transcendência do mundo.

A poesia como potência linfática e como metamorfose devoradora de simulacros sacraliza o insondado, constitui as ressonâncias demiúrgicas, transforma-se num escorpião de ambivalências, liga-se ao cavalo-sonâmbulo-poeta-surfista como uma recriação das geografias cósmicas-primitivas a provocar rodopios cénicos, biologismos utópicos, tatuagens multissígnicas, entroncamentos imagéticos, síncopes telúricas, alavancas caológicas-meteóricas, dínamos mitológicos, fulgurações perceptivas, rebentações animalisantes, paroxismos da instantaneidade, musicalidades antropofágicas ressuscitadoras da vida latente. Eis a sombra-que-abre-a-sombra, na gênese da dimensão ciclônica do eu-outro-para-o-outro. O poema reactualiza a sua origem na dramaticidade da adivinhação e, com as dores das escrituras, transforma-se num canto de muitas vozes, eclodindo na focalidade da orfandade, na espiritualidade iniciática da reunificação do mundo.

Os cavalos-poetas-surfistas entregam-se à geografia dos fluxos do invisível, do desassossego poético aliado aos mistérios da natureza, ao poema antropofágico que agita e explora a matéria da luz, da sombra, do espaço, do tempo, da gestação ardente das escrituras-pyroclastic.

O poema perfura, abre o seu corpo para ser devorado pela cavalgada-ondeante do cavalo-mundo, do surfista-universo, onde a origem indeterminável das palavras centraliza-se na suprema impossibilidade e nos ecos do abismo construtor e impulsionador das radiações mágicas-alquímicas que regressam à pulsação do delírio, do não-lugar, das bibliotecas visionárias, da fertilização originária, dos rituais secretos da linguagem.

A imaginação e a assombração do invisível expandem as constelações metafóricas que acrescentam ao cavalo-sonâmbulo a fundação prismática do deserto e a unidade dos abalos do (in)consciente do surfista que atinge a onda-do-astro-e-o-astro-da-onda da subjectividade, da imprevisibilidade, da destruição-construção do (ir)real. Assim, o poeta-cavalo-sonâmbulo e o surfista unem-se ao firmamento, à alucinação da palavra e ao subsolo marítimo-terrestre como uma intersecção do corpo-poema da visão absoluta, do corpo humano, do corpo verbal, do corpo cósmico. A caminhada do poema-simulacro-surfista é violenta-crepuscular-contornadora-autónoma e destrói as significabilidades, as interpretações: eis as disseminações vulcânicas-efabuladoras a enfrentarem os relâmpagos das esfínges: os ecos do mundo, o sublime infinito da criação.

Urge a I-EMERSÃO de LAHARS com os sentidos dos cavalos-surfistas-mistérios que encantam o mundo, que movem o mundo, reconstruindo novos mundos, novas realidades. As ondas, as flutuações, os galopes sonâmbulos recombinam a matéria das imersões, as luminescências do abismo, os territórios obscuros-transgressivos entre o consciente e o inconsciente como a louca circularidade da escrita na imperscrutável espontaneidade. As escrituras-pyroclastic constituir-se-ão como uma composição interrogativa do silêncio. O silêncio na existência incontaminada onde os cavalos-poetas surfistas regressam continuamente à estonteante transmutação ausencia-presênça ou à dramaticidade-visageidade vibratória-tectónica do desaparecimento. Será esta a catástrofe-monádica das escrituras-pyroclastic? Será esta a dança sonâmbula que cria corpos selváticos no enigma das escrituras, ou serão as escrituras as danças interiores que se deflagram na cenarização insondável do próprio corpo? Uma dança cega constituída por energias sedutoras e por artesanias do estranhamento? Será este espelho uma transposição dançante-suprema que transforma a nossa dor num eco de imprevisíveis direcções, um eco de teatralidades a emergir na experiência-dos-limites da percepção-memória-imaginação-linguagem-pensamento-mundo.

Os Cavalos-surfistas-poetas erguem-se no aniquilamento dos sentidos como um não-saber na busca do inacessível. Será esta a dança-cavalgada-flutuadora da fusão enigmática dos corpos-das-escrituras-absolutas? Os corpos dos encadeamentos cósmicos serão sempre inacabáveis, daí a relação testemunhal das ondas-semas com as intermitências dos desastres. Será este retorno perpétuo uma espécie de deriva acopladora de movimentos inaugurais da hipotaxe-parataxe. Os cavalos-sonâmbulos-poetas-surfistas estetizam-se com os fragmentos do ilimitado. Os desastres das escrituras enfrentam-se com a destituição dos vultos das próprias escrituras- pyroclastic. Eis a submersão abismal no paroxismo da indecifrabilidade que sacraliza a selvagem vibração do poema entre a circularidade corporal do vórtice da matéria. O cavalo-poeta-surfista recusa-se instintualmente ao observar o imperceptível e o deserto-da-escritura- pyroclastic é a sua catástrofe iluminadora. Assim, os cavalos-poetas-surfistas eliminam o racionalizante sistema totalizador, para ritualizarem-reactualizarem, dinamizarem o centro absoluto-enigmático-transmigratório quando acontece_________________ poesia.




quarta-feira, 2 de março de 2011

JORGE CARRANO: rasgando a alma, sangrando o papel

Por Idalina de Carvalho

      Publicitário e poeta, o paranaense Jorge Carrano foi, desde cedo, um observador a serviço da palavra. Morou no Rio de Janeiro, onde participou ativamente de festivais de música e teatro, e também de movimentos de vanguarda que agitaram o meio estudantil da época.
      "A centaura e a esfinge" é o título do livro que o poeta está lançando em 2011, uma reunião de poemas caracterizados por diálogos amorosos com o feminino, onde o poeta é alma ocupando corpos diversos, derramando sensações que arrancam suspiros dos românticos.
    A influência musical imprime um tal ritmo e sonoridade aos poemas, que faz de "A centaura e a esfinge" uma melodia (ou um musical?) dividida(o) em atos, cada um deles contando um caso de amor bem ou mal-resolvido.
    Confira abaixo três poemas do livro "A centaura e a esfinge":
    ANALOGIA

Gosto...

gosto muito

de te ver dormir.

Pele, seda de lingerie,

brisa sobre pêlos, e te cobrir.

Gosto...

gosto muito

de te guardar

o sono, o sonho, o acordar,

o cheiro da noite passada,

um cheiro do amor,

um gosto de amar.

Gosto...

melhor,

quero muito te revelar.

O quanto meus olhos são espelho

quando te vêem dormir

e tranqüilizam minh’alma,

até o outro dia,

quando te vêem acordar.

Gosto ...

do gosto de brincar,

do teu cheiro de fêmea,

da cama que sempre cheia

como a lua, embriaga e sacia

com todo esse jeito de amar.

***


ENTARDECER

Esse facho de luz do fim da tarde

Que, certeiro, descobre e invade

essa tênue pele - seda dourada.

Essa luz rebatida no seu doce corpo alado,

nesse silêncio combinado

em que descansas à exaustão.

Esse teu sorriso criança.

Ah, como me embriaga esse colo menino,

com traços sutis de pecado,

vou roubar essa visão!

Decolo em total turbulência,

sou escravo!

Essa beleza, sua presença.

Esses longos pêlos de deusa,

que me invadem moleques,

as faces do entardecer.

***

LUAS GÊMEAS

Gêmeas.

Soberbas delícias

que da alma às vísceras,

trazem arfantes

gritos!

Rios que desaguam férteis

correndo nos ventres

que se encontram

aflitos!

Peles,

ventos de arrepio,

poros, pelos, suores

sussurros de calafrio.

Seu curso vindo

enxurrado,

vivo de carícias

teus corpos macios.

Belas de todas as tardes

de todas as luas,

pungentes,

num momento único.

De larvas...

macio!