quarta-feira, 14 de junho de 2017

LER E CONTAR, CONTAR E LER: Caderno de Histórias

LER  E CONTAR  - CONTAR E LER:  Caderno de Histórias
de Francisco Gregório Filho

Um velhinho de barba branca  e colete,  um molequinho de  calça e suspensório  soltando pipa, um moço com olhos que faíscam: tantos Chicos em um só Francisco! Ator, escritor, contador de histórias, cantador, encantador de palavras e de pessoas: é assim que eu vejo Francisco Gregório Filho.

Estou aqui folheando e lendo desaceleradamente este livro de sua autoria. Eu  leio as histórias e, enquanto meus olhos passeiam pelas páginas, eu as ouço pela voz mansa e gostosa dessa pessoa de longos e brancos fios de barba. Voltar no tempo é bom. Li certa vez um poemeto do qual não lembro a autora, mas o livro que leio me remete para aqueles versos: “medo dos olhos da minha avó: eles sabem onde estão as lágrimas que guardei na infância”. Entretanto, diferente da autora, eu não  tive avós e não temo voltar ao passado para recolher as lágrimas. É isso o que o encontro com Francisco Gregório traz de mais bonito: a oportunidade de desacelerar, de ouvir e mergulhar em histórias que nos levam ao nosso 'eu'  mais profundo.  
Eu pego agora o livro de capa verde e as páginas têm o mesmo cheiro dos livros novos que meu irmão José Luiz me trazia quando eu era criança. E as ilustrações, a disposição gráfica do texto são o cenário perfeito para as histórias que  fazem viajar no tempo e no espaço: "Barba Azul", "O nascimento das estrelas" e "Nascimento do amor" são algumas delas, as que mexem mais profundamente comigo. 

Gratidão, menino de barba branca, pela oportunidade de ter estado tão perto de você e sentir o seu abraço humano e poético. Suas palavras e sua voz abraçam todos aqueles que o ouvem. Artistas como você são eternos!    
         

Publicado pela Letra Capital, o livro tem 128 páginas e está em sua segunda edição. 

domingo, 4 de junho de 2017

TODOS ESTÃO DESTINADOS A MORRER, de Natália Batista: um livro que desafia o medo da morte.




Quem é essa garota bonita de 18 anos que se põe a refletir sobre um tema tão profundo e filosófico como a morte? Provavelmente você está, neste momento, se fazendo esta pergunta e a curiosidade o levará a adquirir o livro para conhecê-la melhor.
Conheci Natália Batista no Colégio de Aplicação João XXIII, em Juiz de Fora, através do PIDET (Programa de Identificação e Desenvolvimento de Estudantes Talentosos) ligado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Identificada com altas habilidades no campo literário, minha missão era ministrar oficinas literárias e apoiar as iniciativas dos alunos e alunas identificados. Em 2012 Natália já escrevia bem, mas o salto que ela dá, não só com construção da estrutura dos seus contos, mas também com a temática abordada no livro, mostra a importância desse trabalho  e me dá um orgulho muito grande e uma honra de ter, em algum momento, feito parte dessa história de sucesso.
Natália Batista divide seu tempo entre a leitura, a música e a dança. Em entrevista realizada no campus da UFJF na tarde do dia 30 de maio, ela declara: "o que mais gosto de fazer no meu tempo livre é viajar no universo dos livros e poder criar outros, com a escrita". Entre seus autores preferidos estão Edgar Allan Poe, Dostoievski e Augusto dos Anjos, mas ela navega por outros mares, quando tem a oportunidade de se envolver numa boa leitura.

TODOS ESTÃO DESTINADOS A MORRER

Por Ana Idalina Carvalho Nunes*

Acabo de ler esse livro instigante de Natália Batista, onde ela se mostra como uma observadora dotada de múltiplos olhos que conseguem abarcar as emoções e sentimentos de cada personagem por ela construído, a ponto de levar o leitor a sentir as suas sensações. Falta de ar, angústia, precisei dar uma pausa em determinado ponto da leitura para me refazer diante de uma narrativa marcada por descrições demasiadamente fortes.
“Todos estão destinados a morrer” traz a morte como desfecho de cada conto, reproduzindo o que ocorre na vida humana em cuja única certeza é a de que se morrerá no final. A autora encara a morte de frente e a reafirma na fala de cada um dos personagens, deixando claro que se trata de um desfecho inevitável. Essa verdade leva todos, indistintamente, à dor, ao medo e, não raro, também à sensação de pânico. A presença da morte nos contos de Natália Batista não se dá, entretanto, apenas no plano físico: a morte se faz presente  também no tempo de vida, através da angústia e da solidão que marca, sobretudo, a vida de jovens que, embora vivam rodeados de pessoas, sentem a  mais profunda solidão, fragilizados pelo preconceito, pelo abandono, pelo escárnio de outros jovens e adultos que se consideram enquadrados nos padrões sociais impostos. Os narradores de cada conto são profundamente observadores e vivem situações em que são vítimas de bullying, homofobia, baixa autoestima, em um cenário que, algumas vezes, se constitui como os “corredores mortificantes “ de escolas escuras e cinzentas onde estudam. O conto “Para sempre”, por exemplo, começa com a autodescrição de Carlos,  um jovem homossexual :
“Sou uma pessoa tímida, talvez até invisível para aqueles que são absortos em suas vidas, contudo gosto de observar as pessoas, cada um com seu jeito único de ser. É fascinante, eu as vejo amando, brigando, odiando, chorando, rindo. A vida é incrível, porém sou apenas uma pessoa à parte dela, observando todos os outros vivendo, estou fora de tudo, sou um observador, que também quer viver, mas ainda não achei nada que fizesse a vida valer a pena” (p. 22)

A autora tem uma percepção da dor que marca a existência humana e a empatia está presente em cada página, a ponto de ser impossível traçar um limite entre o real e o fictício. Eu diria que a autora consegue se fazer presente no cerne da personalidade de cada personagem, os mais diversos:  do assassino à vítima, do agressor ao agredido. Ela dota alguns desses personagens com o  desejo comum  de impedir a dor, de prever a catástrofe para impedi-la, de colocar-se em risco para salvar o outro, de mudar o mundo.  
Além do medo disseminado pela mídia que, na busca pelo lucro, promove uma verdadeira intoxicação emocional naqueles que estão sintonizados diariamente com os meios de comunicação,  mais de um dos narradores fala da escola como um espaço escuro, cinzento e, no conto abordado acima, até como uma espécie de prisão. Assim sendo, o livro também aponta para essa necessidade de humanizar a escola e colocar o aluno acima dos conteúdos programáticos. Os personagens dos contos estão dentro dessas escolas e vivenciam problemas como alguns aqui relatados e talvez a morte abordada no livro possa ser também um grito que busque desconstruir esse mundo assustador, solitário e sem perspectivas afetivas, que insiste em se manter preso a padrões que são do século passado. Os heróis e heroínas presentes nos contos de Natália Batista buscam isso: colocar o humano acima de tudo, enxergar o outro, colocar-se no lugar do outro e construir um espaço de trocas, de alteridade, de solidariedade, de companheirismo e alegria.
            Entre as metáforas que inundam os contos dessa jovem escritora, é interessante perceber o peso da subjetividade presente. No conto “Um simples hotel”, o narrador personagem, um homem já adulto, descreve a fachada do hotel onde se hospeda: “O letreiro, onde antes se lia com clareza a palavra hotel, foi ficando velho e acabou queimando todas as vogais, e em uma luta de pisca-pisca, tentava manter as consoantes acesas” (p. 60). Ou seja, a comunicação está obsoleta, a sonoridade das palavras se perdeu e mesmo o som seco das consoantes pisca, tentando manter um mínimo de compreensão do que se quer transmitir. A falta de comunicação talvez seja a escuridão total,  Na página seguinte, o narrador fala  de paredes azuis apagadas que contrastam com uma cortina escarlate (vermelho muito vivo). O azul apagado é a solidão, cor propícia para a reclusão e para o estudo, para a reflexão, condição que marca o personagem deste e de outros contos. Em contraste, a dor, o vermelho vivo do sangue que se derrama de corpos em vários outros contos. O vermelho do sangue e da dor que impregna a solidão e a angústia dos jovens do século XXI. E é interessante esse conto, ainda nos detalhes em que a autora, consciente ou inconscientemente, traz características psicológicas por meio da descrição física de pessoas e ambientes, como é o caso da jovem com quem o homem se depara no elevador e que, segundo ele “parecia ser bem frágil, como uma boneca de porcelana destinada a se quebrar em qualquer tipo de impacto que receber” (p. 61). No final do conto, ela é morta pelo homem e o motivo do assassinato é a semelhança psicológica existente entre os dois: ou seja, a menina é o próprio homem em sua pureza, e ele mata essa fragilidade e essa pureza, para se livrar da vulnerabilidade. Ele busca o poder sobre todos, e a sensação de poder é presente quando ele percebe o medo e a súplica no olhar de suas vítimas. Ou seja, a opressão se faz pelo medo da vítima, o prazer do opressor é conseguir disseminar o medo e diminuir o outro até a morte.
Natália tem uma percepção apuradíssima do mundo em que está inserida, e se posiciona diante das injustiças sociais, diante da desconsideração da dor humana. Como a personagem desobediente da  história do Barba Azul, ela  pegou a chave e abriu a porta  do quarto proibido. E agora o quarto não se fecha mais e a chave sangra sem parar. É isso! Impossível para quem é inteligente, sensível, observador e reflexivo, perceber a dor humana e seguir sem olhar para traz. Dessa forma é que Natália se torna a heroína que, dentro ou fora dos seus contos, busca a solução para os problemas sociais e assume seu papel no mundo.
Aconselho a todos, jovens e adultos, a leitura desse livro. Não apenas folhear suas páginas superficialmente, mar mergulhar nas reflexões que cada conto promove. Saber que existem jovens com esse olhar maduro e com um talento literário tão grande é muito animador.  Eu vejo vestígios de Dostoiévski na escrita dessa autora, eu vejo uma jovem que encontra, na leitura, a forma de  mostrar o mundo que ela percebe. Parabéns, Natália! Além de tudo, é uma grande honra estar presente neste momento especial da sua jornada e uma grande emoção ver meu nome incluído  nos agradecimentos.

BATISTA, Natália.Todos estão destinados a morrer. Rio de Janeiro: Pendragon, 2017. 90 p. 
Preço do livro: 20 reais 

Link para compra do livro: 
http://www.lojapendragon.com.br/loja/produto.php?loja=492765&IdProd=55&iniSession=1&585c01288968a

Email da autora: nataliaplbatista@yahoo.com.br

* Escritora, professora de Filosofia com especialização em Filosofia, Cultura e Sociedade e mestrado em Ciências Sociais, com pesquisa no campo da Antropologia Social.