Quem
é essa garota bonita de 18 anos que se põe a refletir sobre um tema tão
profundo e filosófico como a morte? Provavelmente você está, neste momento, se
fazendo esta pergunta e a curiosidade o levará a adquirir o livro para
conhecê-la melhor.
Conheci
Natália Batista no Colégio de Aplicação João XXIII, em Juiz de Fora, através do
PIDET (Programa de Identificação e Desenvolvimento de Estudantes Talentosos)
ligado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Identificada com altas habilidades no campo literário, minha
missão era ministrar oficinas literárias e apoiar as iniciativas dos alunos e
alunas identificados. Em 2012 Natália já escrevia bem, mas o salto que ela dá,
não só com construção da estrutura dos seus contos, mas também com a temática
abordada no livro, mostra a importância desse trabalho e me dá um orgulho muito grande e uma honra
de ter, em algum momento, feito parte dessa história de sucesso.
Natália
Batista divide seu tempo entre a leitura, a música e a dança. Em entrevista
realizada no campus da UFJF na tarde do dia 30 de maio, ela declara: "o
que mais gosto de fazer no meu tempo livre é viajar no universo dos livros e
poder criar outros, com a escrita". Entre seus autores preferidos estão Edgar
Allan Poe, Dostoievski e Augusto dos Anjos, mas ela navega por outros mares,
quando tem a oportunidade de se envolver numa boa leitura.
TODOS
ESTÃO DESTINADOS A MORRER
Por Ana Idalina Carvalho
Nunes*

“Todos
estão destinados a morrer” traz a morte como desfecho de cada conto, reproduzindo
o que ocorre na vida humana em cuja única certeza é a de que se morrerá no
final. A autora encara a morte de frente e a reafirma na fala de cada um dos
personagens, deixando claro que se trata de um desfecho inevitável. Essa verdade
leva todos, indistintamente, à dor, ao medo e, não raro, também à sensação de pânico.
A presença da morte nos contos de Natália Batista não se dá, entretanto, apenas
no plano físico: a morte se faz presente também no tempo de vida, através da angústia e
da solidão que marca, sobretudo, a vida de jovens que, embora vivam rodeados de
pessoas, sentem a mais profunda solidão,
fragilizados pelo preconceito, pelo abandono, pelo escárnio de outros jovens e
adultos que se consideram enquadrados nos padrões sociais impostos. Os
narradores de cada conto são profundamente observadores e vivem situações em
que são vítimas de bullying, homofobia, baixa autoestima, em um cenário que,
algumas vezes, se constitui como os “corredores mortificantes “ de escolas
escuras e cinzentas onde estudam. O conto “Para sempre”, por exemplo, começa
com a autodescrição de Carlos, um jovem
homossexual :
“Sou uma pessoa tímida, talvez até
invisível para aqueles que são absortos em suas vidas, contudo gosto de
observar as pessoas, cada um com seu jeito único de ser. É fascinante, eu as
vejo amando, brigando, odiando, chorando, rindo. A vida é incrível, porém sou
apenas uma pessoa à parte dela, observando todos os outros vivendo, estou fora
de tudo, sou um observador, que também quer viver, mas ainda não achei nada que
fizesse a vida valer a pena” (p. 22)
A
autora tem uma percepção da dor que marca a existência humana e a empatia está
presente em cada página, a ponto de ser impossível traçar um limite entre o
real e o fictício. Eu diria que a autora consegue se fazer presente no cerne da
personalidade de cada personagem, os mais diversos: do assassino à vítima, do agressor ao
agredido. Ela dota alguns desses personagens com o desejo comum
de impedir a dor, de prever a catástrofe para impedi-la, de colocar-se
em risco para salvar o outro, de mudar o mundo.
Além
do medo disseminado pela mídia que, na busca pelo lucro, promove uma verdadeira
intoxicação emocional naqueles que estão sintonizados diariamente com os meios
de comunicação, mais de um dos
narradores fala da escola como um espaço escuro, cinzento e, no conto abordado
acima, até como uma espécie de prisão. Assim sendo, o livro também aponta para
essa necessidade de humanizar a escola e colocar o aluno acima dos conteúdos
programáticos. Os personagens dos contos estão dentro dessas escolas e
vivenciam problemas como alguns aqui relatados e talvez a morte abordada no
livro possa ser também um grito que busque desconstruir esse mundo assustador,
solitário e sem perspectivas afetivas, que insiste em se manter preso a padrões
que são do século passado. Os heróis e heroínas presentes nos contos de Natália
Batista buscam isso: colocar o humano acima de tudo, enxergar o outro,
colocar-se no lugar do outro e construir um espaço de trocas, de alteridade, de
solidariedade, de companheirismo e alegria.
Entre as metáforas que inundam os
contos dessa jovem escritora, é interessante perceber o peso da subjetividade
presente. No conto “Um simples hotel”, o narrador personagem, um homem já
adulto, descreve a fachada do hotel onde se hospeda: “O letreiro, onde antes se
lia com clareza a palavra hotel, foi ficando velho e acabou queimando todas as
vogais, e em uma luta de pisca-pisca, tentava manter as consoantes acesas” (p.
60). Ou seja, a comunicação está obsoleta, a sonoridade das palavras se perdeu
e mesmo o som seco das consoantes pisca, tentando manter um mínimo de
compreensão do que se quer transmitir. A falta de comunicação talvez seja a
escuridão total, Na página seguinte, o
narrador fala de paredes azuis apagadas
que contrastam com uma cortina escarlate (vermelho muito vivo). O azul apagado
é a solidão, cor propícia para a reclusão e para o estudo, para a reflexão,
condição que marca o personagem deste e de outros contos. Em contraste, a dor,
o vermelho vivo do sangue que se derrama de corpos em vários outros contos. O
vermelho do sangue e da dor que impregna a solidão e a angústia dos jovens do
século XXI. E é interessante esse conto, ainda nos detalhes em que a autora,
consciente ou inconscientemente, traz características psicológicas por meio da
descrição física de pessoas e ambientes, como é o caso da jovem com quem o
homem se depara no elevador e que, segundo ele “parecia ser bem frágil, como
uma boneca de porcelana destinada a se quebrar em qualquer tipo de impacto que
receber” (p. 61). No final do conto, ela é morta pelo homem e o motivo do
assassinato é a semelhança psicológica existente entre os dois: ou seja, a
menina é o próprio homem em sua pureza, e ele mata essa fragilidade e essa
pureza, para se livrar da vulnerabilidade. Ele busca o poder sobre todos, e a
sensação de poder é presente quando ele percebe o medo e a súplica no olhar de
suas vítimas. Ou seja, a opressão se faz pelo medo da vítima, o prazer do
opressor é conseguir disseminar o medo e diminuir o outro até a morte.
Natália
tem uma percepção apuradíssima do mundo em que está inserida, e se posiciona
diante das injustiças sociais, diante da desconsideração da dor humana. Como a
personagem desobediente da história do
Barba Azul, ela pegou a chave e abriu a
porta do quarto proibido. E agora o
quarto não se fecha mais e a chave sangra sem parar. É isso! Impossível para
quem é inteligente, sensível, observador e reflexivo, perceber a dor humana e
seguir sem olhar para traz. Dessa forma é que Natália se torna a heroína que,
dentro ou fora dos seus contos, busca a solução para os problemas sociais e
assume seu papel no mundo.
Aconselho
a todos, jovens e adultos, a leitura desse livro. Não apenas folhear suas
páginas superficialmente, mar mergulhar nas reflexões que cada conto promove.
Saber que existem jovens com esse olhar maduro e com um talento literário tão
grande é muito animador. Eu vejo vestígios
de Dostoiévski na escrita dessa autora, eu vejo uma jovem que encontra, na
leitura, a forma de mostrar o mundo que
ela percebe. Parabéns, Natália! Além de tudo, é uma grande honra estar presente
neste momento especial da sua jornada e uma grande emoção ver meu nome
incluído nos agradecimentos.
BATISTA,
Natália.Todos estão destinados a morrer. Rio de Janeiro: Pendragon, 2017. 90 p.
Preço do livro: 20 reais
Preço do livro: 20 reais
Link para compra do livro:
http://www.lojapendragon.com.br/loja/produto.php?loja=492765&IdProd=55&iniSession=1&585c01288968a
Email da autora: nataliaplbatista@yahoo.com.br
* Escritora, professora de Filosofia com especialização em Filosofia, Cultura e Sociedade e mestrado em Ciências Sociais, com pesquisa no campo da Antropologia Social.
Email da autora: nataliaplbatista@yahoo.com.br
* Escritora, professora de Filosofia com especialização em Filosofia, Cultura e Sociedade e mestrado em Ciências Sociais, com pesquisa no campo da Antropologia Social.
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